As alterações ao arrendamento urbano e as medidas redistributivas de desequilíbrios | JusJornal – Editora Wolters Kluwer, Abril 2019


Pela sua essencialidade e impacto no domínio das relações de arrendamento anteriormente constituídas, abordam-se as alterações ao Código Civil e ao NRAU introduzidas pela Lei 13/2019, 12/02.


A Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, assume-se como um conjunto de medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade, concretizadas através de um conjunto de alterações e aditamentos ao Código Civil; ao NRAU, aprovado pela Lei 6/2006, de 27de fevereiro; ao Decreto-Lei 157/2006, de 8 de agosto; ao Decreto-Lei 156/2015, de 10 de agosto e ao Decreto-Lei 74-A/2017, de 23 de junho.

Uma primeira análise global do diploma legal permite extrair a conclusão de que, sob a égide de uma alegada correção de desequilíbrios entre as posições de arrendatários e senhorios, o que verdadeiramente se opera é uma agravada redistribuição daqueles, desta feita, com extraordinário privilegiamento dos arrendatários em detrimento dos senhorios.

A marca fundamental que perpassa todas as normas é, incontornavelmente, a da proteção dos direitos dos inquilinos, seja por via direta da atribuição e reforço de direitos que a estes é concedida; seja pela via indireta, através da imposição ao senhorio de procedimentos mais ou menos complexos e de cumprimento de prazos no exercício de direitos, cuja inobservância tem como consequência, na maioria dos casos, a extinção dos mesmos.

Dada a matricialidade das alterações e aditamentos ao Código Civil e ao NRAU, não podem deixar de surpreender, pela especial relevância que assumem quanto à concreta vontade de contratar, as alterações relativas à duração contratual e aos mecanismos de extinção por iniciativa do senhorio. Assinaláveis são, igualmente, as alterações introduzidas em matéria de forma – esta que, por via da disposição transitória contida no n º2 do artigo 14º, se aplica aos arrendamentos vigentes à data da entrada em vigor da nova lei –; quanto à sanção pela mora no pagamento da renda devida pelo locado; em sede de resolução contratual; em matéria de acionamento do fiador e as respeitantes à transição para o NRAU e atualização da renda.

Veja-se, a propósito da forma, o nº 2 do artigo 1.069º do Código Civil na redação dada pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, segundo o qual é licito ao arrendatário provar a existência de título que legitime o gozo do locado – por demonstração da respetiva utilização sem oposição do senhorio e do pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses –, por qualquer forma admitida em direito, salvo nos casos em que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento lhe seja imputável.

A respeito da duração contratual do arrendamento para fim habitacional celebrado no regime de prazo certo, o nº2 do artigo 1.095º do Código Civil reabilita a consagração imperativa de um prazo mínimo – agora de um ano – , mantendo, contudo, o regime de exceção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios. Tal restrição, aparentemente justificada pela necessidade de assegurar a plena realização do direito à estabilidade da habitação permanente, encontra uma verdadeira extensão nas normas contidas no nº1 do artigo 1.096º – período mínimo de renovação contratual de 3 anos – e no nº3 do artigo 1.097º – produção de efeitos da primeira oposição à renovação pelo senhorio decorridos três anos sobre a data de celebração do contrato –; normas estas que se constituem como verdadeira manifestação de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, desta feita com manifesto prejuízo destes.

Com efeito, a introdução de normas imperativas limitadoras do exercício pelo senhorio quer do direito de oposição à renovação, quer do direito de denúncia contratual, impactam decisivamente na duração da relação arrendatícia convencionada ao abrigo de um regime de prazo certo, agora inovadoramente sujeito à possibilidade de renovação obrigatória.

Veja-se que, não obstante o citado nº 2 do artigo 1.095º do Código Civil, na redação dada pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, estabelecer como prazo de duração mínima dos contratos celebrados no regime do prazo certo, um ano; tal prazo, por via das limitações impostas quer pelo nº 1 do artigo 1.096º, em matéria de renovação obrigatória; quer por via do nº 3 do artigo 1.097º, desta feita em sede de oposição à renovação, impõem ao senhorio, em benefício exclusivo do arrendatário e na dependência da vontade deste, uma conversão do prazo de duração mínima em 4 e 3 anos, respetivamente.

Já quanto à mora do locatário, e mais concretamente quanto ao direito de o senhorio exigir uma indemnização, para além das rendas ou alugueres em atraso, a redação dada ao nº1 do artigo 1.041º do Código Civil pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, operou uma redução do respetivo quantum percentual que passou de 50 para 20% do que for devido; mantendo-se a ressalva de inaplicabilidade no caso de o contrato ser resolvido com base na falta de pagamento.

Ora, também a respeito dos fundamentos de resolução contratual – desta feita no caso de mora no pagamento da renda, superior a 8 dias, por mais de 4 vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses e na vigência de um mesmo contrato – a Lei 13/2019, de 12 de fevereiro aditou uma nova norma ao artigo 1.083º do Código Civil – a vertida sob o nº6 – por via da qual se introduziu como condição de exercício do direito à resolução prevista no seu nº4, uma comunicação prévia, admonitória e antecipatória da intenção de resolver o contrato, desta feita em momento em que pode até suceder que a causa invocada assuma natureza meramente hipotética – veja-se o caso de o senhorio proceder ao envio da comunicação imediatamente após a verificação do atraso. Neste caso, o procedimento comunicacional pode vir a revelar-se totalmente inócuo, na medida em que, soçobrando, pelo menos, as duas vezes necessárias à verificação de tal incumprimento, pode não chegar a completar-se a causa de resolução prematuramente invocada.

De todo o modo, apesar de estatuir que, de molde a suportar a resolução contratual, a realização de tal comunicação deve ocorrer após o terceiro atraso no pagamento da renda e em momento anterior ao da resolução contratual, a norma não estabelece outros limites temporais ao exercício do direito que não sejam os decorrentes da caducidade prevista no artigo 1085º, nº2 do Código Civil. A ser deste modo – como, efetivamente, se afigura ser – a comunicação prévia estabelecida como condição de exercício do direito à resolução prevista no nº 4 do artigo 1.083º do Código Civil poderá ser cumprida desde o momento em que se verifique o terceiro atraso no pagamento até àquele outro limitado pela baliza da caducidade de três meses contados do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento – isto é, pelo menos até ao final do terceiro mês subsequente à quinta situação de constituição em mora superior a 8 dias no pagamento da renda.

Ainda no que tange aos mecanismos de extinção contratual, concretamente no âmbito do regime de duração indeterminada e no que refere à possibilidade de denúncia livre do contrato pelo senhorio, prevista na alínea c) do artigo 1.101º do Código Civil, a Lei 13/2012, de 12 de fevereiro, não só amplia a antecedência mínima da comunicação ao arrendatário de três para cinco anos sobre a data em que se pretende operem os respetivos efeitos; como repristina a norma contida no artigo 1.104º (que havia sido revogada pela Lei 31/2012, de 14 de agosto) por via da qual se exige que, sob pena de ineficácia, a predita comunicação seja confirmada, através de uma segunda missiva enviada com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação.

Relativamente às garantias contratuais, mais especificamente a propósito da fiança, note-se que, não obstante resultar do regime contido no art. 627º do Código Civil que os fiadores, enquanto garantes da satisfação da prestação, ficam pessoalmente obrigados perante o credor – respondendo, nos termos do artigo 634º do Código Civil, pelas rendas, encargos e despesas devidas pelo afiançado, independentemente de interpelação –; a nova norma consagrada sob o nº5 do artigo 1.041º do Código Civil, também ela introduzida pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, subordina a ativação daquela garantia a uma prévia comunicação ao fiador – quer da incursão em mora pelo arrendatário, quer das quantias em dívida exigíveis por força da fiança prestada – desta feita, nos noventa dias seguintes ao termo do prazo dos oito concedidos ao inquilino para fazer cessar a mora – hipótese em que, conforme resulta do nº2 do artigo 1.041º do Código Civil, o senhorio não goza do direito de exigir qualquer indemnização por mora no pagamento das rendas.

Ademais, pese embora o conceito utilizado para expressar a exigência de interpelação ao fiador possa não ter sido o mais feliz – usa-se o termo notificar para exprimir a ideia de comunicar – a realização da mesma assume-se, mercê do estabelecido no nº 6 do citado art. 1.041º do Código Civil, como requisito de exigibilidade do crédito afiançado.

Por último, no âmbito do universo de questões que nos propusemos tratar na presente exposição, a merecer especial atenção a nova redação do artigo 36º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro.

Mantendo a exigência de acordo entre senhorio e arrendatário como condição de sujeição ao NRAU, o nº1 da predita norma – mais concretamente, a sua alínea b) – estende o regime protecionista quanto à fixação do valor de renda ao cônjuge, unido de facto ou parente do arrendatário no primeiro grau da linha reta que, cumulativamente, resida há mais de cinco anos no locado e possua idade igual ou superior a 65 anos de idade ou grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.

Sob o nº 10, na redação agora introduzida, é instituído novo regime de salvaguarda para os casos em que o arrendatário que beneficie da proteção conferida pela aludida norma contida no nº1 não tenha invocado qualquer causa subjetiva quer para efeitos de obstar à transição para o NRAU, quer para efeitos de limitação do valor da renda. Sendo esse o caso, se o arrendatário residir há mais de 15 anos no locado (demonstrando-o através de atestado emitido pela junta de freguesia da área da sua residência), e tiver, à data da transição do contrato, idade igual ou superior a 65 anos de idade ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%, só se mostra possível o senhorio opor-se à renovação do contrato em caso de demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento – tudo conforme o disposto na alínea b) do art. 1.101º do Código Civil, na redação igualmente dada pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro.

Mas mais

A atualização do valor da renda – podendo ocorrer na renovação do contrato até ao limite de 1/15 do valor do locado correspondente ao da avaliação realizada nos termos do artigo 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (mantendo-se o mesmo se for igual ou superior àquele) – tem como limite anual máximo imposto pela norma contida no nº 12 do indicado artigo 36º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, 20% do valor da diferença entre 1/15 do Valor Patrimonial Tributário do locado e da renda anterior à atualização extraordinária; o que equivale ao fracionamento do valor da atualização por período tão mais longo quanto maior seja o montante a que o mesmo ascende.