As alterações ao arrendamento urbano e as medidas redistributivas de desequilíbrios | Boletim da Ordem dos Advogados, Março 2019


Link original do artigo – Boletim da OA

Análise e comentário as mais recentes alterações ao arrendamento urbano

A Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, assume-se como um conjunto de medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade, concretizadas através de um conjunto de alterações e aditamentos ao Código Civil; ao NRAU, aprovado pela Lei 6/2006, de 27de Fevereiro;  ao Decreto-Lei 157/2006, de 8 de Agosto; ao Decreto-Lei 156/2015, de 10 de Agosto e ao Decreto-Lei 74-A/2017, de 23 de Junho.

Uma primeira análise global do diploma legal permite extrair a conclusão de que, sob a égide de uma alegada correcção de desequilíbrios entre as posições de arrendatários e senhorios, o que verdadeiramente se opera é uma agravada redistribuição daqueles, desta feita, com extraordinário privilegiamento dos arrendatários em detrimento dos senhorios.

Dada a matricialidade das alterações e aditamentos ao Código Civil e ao NRAU, não podem deixar de surpreender, pela especial relevância que assumem quanto à concreta vontade de contratar, as alterações relativas à duração contratual e aos mecanismos de extinção por iniciativa do senhorio.

Assinaláveis são, igualmente, as alterações introduzidas em matéria de forma – esta que, por via da disposição transitória contida no n º2 do artigo 14º, se aplica aos arrendamentos vigentes à data da entrada em vigor da nova lei -; quanto à sanção pela mora no pagamento da renda devida pelo locado; em sede de resolução contratual; em matéria de accionamento do fiador e as respeitantes à transição para o NRAU e actualização da renda.

Veja-se, a propósito da forma, o nº 2 do artigo 1.069º do Código Civil na redacção dada pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, segundo o qual é licito ao arrendatário provar a existência de título que legitime o gozo do locado – por demonstração da respectiva utilização sem oposição do senhorio e do pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses -, por qualquer forma admitida em direito, salvo nos casos em que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento lhe seja imputável.

A respeito da duração contratual do arrendamento para fim habitacional celebrado no regime de prazo certo, o nº2 do artigo 1.095º do Código Civil reabilita a consagração imperativa de um prazo mínimo – agora de um ano –, mantendo, de todo o modo, o regime de excepção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios. Tal estatuição em matéria de prazo encontra, contudo, uma verdadeira extensão nas normas imperativas contidas no nº1 do artigo 1.096º – período mínimo de renovação contratual de três anos – e no nº3 do artigo 1.097º – produção de efeitos da primeira oposição à renovação pelo senhorio decorridos três anos sobre a data de celebração do contrato-, na medida em que das mesmas resulta a sujeição do contrato à inovadora possibilidade de renovação obrigatória.

Já quanto à mora do locatário, e mais concretamente quanto ao direito de o senhorio exigir uma indemnização, para além das rendas ou alugueres em atraso, a redacção dada ao nº1 do artigo 1.041º do Código Civil pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, operou uma redução do respectivo quantum percentual que passou de 50 para 20% do que for devido; mantendo-se a ressalva de inaplicabilidade no caso de o contrato ser resolvido com base na falta de pagamento.

Ora, também a respeito dos fundamentos de resolução contratual – desta feita no caso de mora no pagamento da renda, superior a 8 dias, por mais de 4 vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses e na vigência de um mesmo contrato – a Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro aditou uma nova norma ao artigo 1.083º do Código Civil – a vertida sob o nº6 – por via da qual se introduziu como condição de exercício do direito à resolução prevista no seu nº4, uma comunicação prévia, admonitória e antecipatória da intenção de resolver o contrato.

Ora, apesar de estatuir que, de molde a suportar a resolução contratual, a realização de tal comunicação deve ocorrer após o terceiro atraso no pagamento da renda e em momento anterior ao da resolução contratual, a norma não estabelece outros limites temporais ao exercício do direito que não sejam os decorrentes da caducidade prevista no artigo 1085º, nº2 do Código Civil, o que significa que poderá ser cumprida desde o momento em que se verifique o terceiro atraso no pagamento até àquele outro limitado pela baliza da caducidade de três meses contados do conhecimento do facto fundante da resolução.


Dada a matricialidade das alterações e aditamentos ao Código Civil e ao NRAU, não podem deixar de surpreender, pela especial relevância que assumem quanto à concreta vontade de contratar, as alterações relativas à duração contratual e aos mecanismos de extinção por iniciativa do senhorio.


Ainda no que tange aos mecanismos de extinção contratual, concretamente no âmbito do regime de duração indeterminada e no que refere à possibilidade de denúncia livre do contrato pelo senhorio, prevista na alínea c) do artigo 1.101º do Código Civil, a Lei 13/2012, de 12 de Fevereiro, não só amplia a antecedência mínima da comunicação ao arrendatário de três para cinco anos sobre a data em que se pretende operem os respectivos efeitos; como repristina a norma contida no artigo 1.104º (que havia sido revogada pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto) por via da qual se exige que, sob pena de ineficácia, a predita comunicação seja confirmada, através de uma segunda missiva enviada com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efectivação.

Relativamente às garantias contratuais, mais especificamente a propósito da fiança, note-se que, não obstante resultar do regime contido no art. 627º do Código Civil, a nova norma consagrada sob o nº5 do artigo 1.041º do Código Civil, subordina a activação daquela garantia a uma prévia comunicação ao fiador – quer da incursão em mora pelo arrendatário, quer das quantias em dívida exigíveis por força da fiança prestada – nos noventa dias seguintes ao termo do prazo dos oito concedidos ao inquilino para fazer cessar a mora, desta feita, ao abrigo do nº2 do artigo 1.041º do Código Civil.

Ademais, pese embora o conceito utilizado para expressar a exigência de interpelação ao fiador possa não ter sido o mais feliz – usa-se o termo notificar para exprimir a ideia de comunicar – a realização da mesma assume-se, mercê do estabelecido no nº 6 do citado art. 1.041º do Código Civil, como requisito de exigibilidade do crédito afiançado.

Por último, no âmbito do universo de questões que nos propusemos tratar na presente exposição, a merecer especial atenção a nova redacção do artigo 36º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.

Mantendo a exigência de acordo entre senhorio e arrendatário como condição de sujeição ao NRAU, o nº1 da predita norma – mais concretamente, a sua alínea b) – estende o regime proteccionista quanto à fixação do valor de renda ao cônjuge, unido de facto ou parente do arrendatário no primeiro grau da linha recta que, cumulativamente, resida há mais de cinco anos no locado e possua idade igual ou superior a 65 anos de idade ou grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.

Sob o nº 10, na redacção agora introduzida, é instituído novo regime de salvaguarda para os casos em que o arrendatário que beneficie da protecção conferida pela aludida norma contida no nº1 não tenha invocado qualquer causa subjectiva quer para efeitos de obstar à transição para o NRAU, quer para efeitos de limitação do valor da renda. Sendo esse o caso, se o arrendatário residir há mais de 15 anos no locado (demonstrando-o através de atestado emitido pela junta de freguesia da área da sua residência), e tiver, à data da transição do contrato, idade igual ou superior a 65 anos de idade ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%, só se mostra possível o senhorio opor-se à renovação do contrato em caso de demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento – tudo conforme o disposto na alínea b) do art. 1.101º do Código Civil, na redacção igualmente dada pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro.

Mas mais;

A actualização do valor da renda – podendo ocorrer na renovação do contrato até ao limite de 1/15 do valor do locado correspondente ao da avaliação realizada nos termos do artigo 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (mantendo-se o mesmo se for igual ou superior àquele) – tem como limite anual máximo imposto pela norma contida no nº 12 do indicado artigo 36º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, 20% do valor da diferença entre 1/15 do Valor Patrimonial Tributário do locado e da renda anterior à actualização extraordinária; o que equivale ao fraccionamento do valor da actualização por período tão mais longo quanto maior seja o montante a que o mesmo ascende.

Nota da autora:  texto escrito de acordo com antiga grafia.